quinta-feira, outubro 09, 2003

CICLO FERNANDO PESSOA (1888-1935) - II

Trechos de Vida e Obra de Fernando Pessoa



“O isolamento e a solidão do poeta parecem ter marcado a maior parte da sua vida. O primeiro, aos seis anos, a que chamou Chevalier de Pas; os mais conhecidos, entre 1912 e 1914, a que chamou Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Álvaro de Campos. A heteronímia é uma das facetas mais curiosas deste poeta e, para muitos, o resultado da desmultiplicação de um pensamento e de uma poética complexa e genial.

A produção literária destes três heterónimos foi intensa e acompanhou o poeta até bem próximo da data da sua morte. Para além destes heterónimos, Fernando Pessoa escreveu textos em nome de inúmeros semi-heterónimos e usando ainda diversos pseudónimos. Respondendo, desta forma, à ânsia de pluralismo, comum, aliás, aos artistas modernistas, o poeta encontra, através do desdobramento do seu EU, uma forma de percepcionar e expressar a multiplicidade do universo em diferentes perspectivas cada qual mediante as diferentes individualidades por ele criadas.

Para além da poesia heterónima e ortónima, Fernando Pessoa, nomeadamente entre 1925 e 1934, vai percorendo, com uma entrega significativa, os campos do mistério e do ocultismo, bem como o da sua missão patriótica. Nem um nem outro são, no entanto, novos para o poeta, já que desde cedo experimentara e manifestara um interesse pelas regiões do ocultismo e do esoterismo e sentira que tinha uma missão elevada a desempenhar.

A atração pelo mistério, encaminha-o para campos ocultistas e iniciáticos, na busca de uma verdade e de um conhecimento espiritual, na busca da compreensão de si próprio e de um universo que transcende em muito o campo do imediatamente visível.

Estes campos são percorridos através da assimilação de princípios e orientações templárias e rosa-crucianas, por exemplo, e manifestam-se em muitos dos seus textos, como em Eros e Psique que se inicia com a epígrafe, chave orientadora da leitura do poema:"... e assim vedes, meu Irmão, que as verdades, que vos foram dadas no Grau de Neófito, e aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade." - do ritual do Grau Mestre do Átrio na Ordem Templária de Portugal, mas também em textos como Passos na Cruz, No túmulo de Christian Rosencreutz e ainda na Mensagem.

Trata-se de textos de profundo simbolismo e mistério, próprios da linguagem iniciática que Fernando Pessoa parece ter experimentado, de imagens cujas chaves de descodificação deveriam passar, segundo o poeta, por uma simpatia em relação a esses símbolos e imagens, pela intuição, inteligência, a compreensão, mas ainda por um relação, pouco definida, com alguém superior ou transcendental que lançará a luz para a completa assimilação dos seus escritos.

Dotado de uma profunda sensibilidade, desde cedo experimenta experiências supra-naturais e procurara nos meandros do ocultismo a outra face do desconhecido. Vários dos seus textos transparecem, com a clareza que o assunto permite, um conhecimento e uma aproximação aos mistérios mais antigos, a uma mitogenia diversa e arcaica, a uma espiritualidade que nem sempre coincide com a religião cristã, aproximando-se claramente do paganismo.

A realidade oculta terá sido para o poeta uma forte presença ao longo de toda a sua vida. As vias do espiritual e do divino foram, simultaneamente, percorridas e acrescentadas à complexidade psíquica e poética de Fernando Pessoa.”


Fernando Pessoa trocou a perspectiva de um amor e de uma família por um outro chamamento, seja ele o da missão a desempenhar e o compromisso com tais mestres mistereriosos, seja o do compromisso com a sua própria identidade e com a humanidade. Abandonado a si mesmo, à sua vida intelectual e mística, ao seu isolamento, que, aliás, marcou toda a sua existência, é sozinho que Fernando Pessoa, já profundamente desgastado pela angústia que o mina, pela constante busca de si próprio, morre no dia 30 de Novembro de 1935, com 47 anos de idade. Uma morte que chega cedo - mais cedo chegara a muitos daqueles com quem convivera -, mas uma morte para a qual o poeta parece ter caminhado conscientemente e sobre a qual refletiu em muitos dos seus textos.

Fonte: Pessoa Revisitado

colocado por Isa


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