terça-feira, setembro 07, 2004

Refletindo


Vamos ler e refletir neste 7 de Setembro:

The New York Times
06/09/2004

Plano para domar jornalistas os revolta no Brasil
Conselho Federal de Jornalismo, proposto por Lula, lembra censura

Larry Rohter
No Rio de Janeiro


O plano do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de criar um conselho federal de jornalismo para regular a tempestuosa imprensa brasileira tem provocado crescentes críticas por aqui. As organizações de imprensa que seriam afetadas pela medida a chamam de a mais séria ameaça à liberdade de expressão aqui desde a queda da ditadura militar de direita há duas décadas.

Segundo a legislação, o conselho teria poderes para "orientar, disciplinar e monitorar" os jornalistas, que seriam obrigados a se registrar na entidade, assim como seu trabalho. As penas para violações das regras do conselho variariam de multas à revogação do registro oficial do repórter, que em teoria impediria o infrator de exercer a profissão.

A legislação, que foi apresentada em agosto, tem sido severamente criticada não apenas pelos jornalistas, mas também por grupos de direitos humanos e associações que representam advogados e juízes. Em um protesto típico, a Associação dos Magistrados Brasileiros acusou o governo de sucumbir à "lógica autoritária" e disse que no Brasil não há necessidade de "qualquer órgão com poderes para cercear a liberdade de expressão".

O governo também preparou uma legislação que estabeleceria a Agência Nacional de Cinema e Audiovisual, que teria autoridade para julgar se os programas de televisão estão à altura da "responsabilidade editorial" e para exigir que aqueles que produzem programas de televisão e filmes trabalhem "em harmonia com as metas de desenvolvimento social do país". A proposta tem sido amplamente criticada pelas redes de televisão e por diretores de cinema.

Após prometer "disposição de redefinir os artigos que possam sugerir autoritarismo", o ministro da Cultura, Gilberto Gil, concordou na semana passada em atenuar os termos da proposta para cinema, televisão e rádio.

Mas o governo não demonstrou a mesma disposição de recuar no conselho de imprensa, que será nominalmente um órgão autônomo com algumas características de sindicato.

"Numa sociedade nada é absoluto", disse recentemente Luiz Gushiken, ministro da Secretaria de Comunicação de Lula. Em um encontro público com proponentes do conselho em abril, no palácio presidencial, Gushiken também disse que a mídia jornalística brasileira deveria adotar uma "agenda positiva" e evitar "exploração do contraditório, que fomenta discórdias e conflitos de egos".

De fato, altos membros do governo têm caracterizado os protestos contra a legislação como um exemplo do tipo de abuso da imprensa que o novo sistema visa prevenir. "Querer cercear o debate com uma gritaria, ganhar no grito, que isso é autoritarismo, que isso é cercear a liberdade de imprensa, não me parece razoável, democrático. Isso sim me parece autoritário", disse José Dirceu de Oliveira e Silva, o ministro-chefe da Casa Civil de Lula.

O governo Lula está enfrentando uma série de acusações de corrupção e irregularidades administrativas, todas amplamente divulgadas na imprensa.

Neste ano, os casos incluíram acusações de que um assessor especial de Dirceu solicitou doações de campanha de operadores do jogo do bicho, escândalos em torno de transferências de dinheiro pelo presidente do Banco Central e práticas de arrecadação de fundos do tesoureiro do partido do governo.

Os assessores de imprensa do governo têm negado repetidamente qualquer relação entre tais incidentes e a apresentação dos planos de controle da imprensa. Mas outros membros do governo têm criticado o tom geral da cobertura recente do primeiro governo de esquerda eleito no Brasil, que tomou posse em janeiro de 2003 com amplo apoio, mas que foi gradualmente perdendo popularidade.

"Estamos surfando numa onda de denuncismo no Brasil", disse recentemente o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. "São denúncias sem aquele controle da averiguação, que destróem reputações e colocam as pessoas numa situação defensiva."

Os líderes de oposição respondem que durante os 20 anos em que o Partido dos Trabalhadores de Lula esteve na oposição, ele freqüentemente denunciava suposta corrupção por parte do governo e passava dossiês incriminadores aos repórteres. Eles acusam Lula, um ex-líder sindical dos metalúrgicos cujo partido está pela primeira vez no poder, de hipocrisia e comportamento antidemocrático.

"O Partido dos Trabalhadores e o presidente chegaram à conclusão que seu governo não pode ser criticado", disse José Carlos Aleluia, líder da bancada no Congresso de um partido conservador da oposição. "Se a oposição faz oposição, é urucubaca. Se a imprensa denuncia, é futrica irresponsável. Logo, mordaça nela."

Lula tem defendido vigorosamente a proposta, às vezes em termos que por si só têm provocado críticas adicionais. "Se vocês começarem a defender o conselho de imprensa, eu dou" entrevista, disse ele em meados de agosto, no que pareceu ter um tom de gozação.

Em outra ocasião, usando uma abordagem semelhante, ele disse aos jornalistas que cobriam uma de suas viagens ao exterior que "vocês são um bando de covardes mesmo" por não apoiarem seu plano.

Um líder da oposição respondeu que "Lula está sofrendo do efeito Chávez", uma referência aos ataques da mídia jornalística da Venezuela ao presidente Hugo Chávez. Mas o presidente do Partido dos Trabalhadores, José Genoino, minimizou os comentários de Lula, dizendo que ele estava "tirando algo de dentro do peito mais como líder trabalhista" do que "expressando a posição do governo".

O governo Lula também apresentou um novo "código de ética" para funcionários do governo que proíbe todos, com exceção dos ministros e assessores de imprensa, de discutirem investigações oficiais com os repórteres. O ministro do Supremo Tribunal de Justiça, Edison Vidigal, disse que a medida exibe "um certo terrorismo" e também sugere que é inconstitucional.

As autoridades do governo têm prometido que o conselho de imprensa será um órgão profissional, semelhante àqueles que regulam as atividades de médicos, engenheiros e advogados, e que estaria livre do controle político. O propósito é "garantir à sociedade a plenitude da liberdade de imprensa, e não a liberdade para alguns profissionais e algumas empresas divulgarem o que bem entendem a serviço dos seus interesses", escreveu Ricardo Kotscho, o secretário de imprensa do presidente em um ensaio amplamente divulgado.

Alberto Dines, um antigo colunista e editor, chamou a iniciativa de "a mais inábil e atarantada já produzida na esfera da imprensa por algum governo desde a redemocratização em 1985", em um ensaio para o site Observatório de Imprensa, que monitora a mídia jornalística. "No momento em que o governo é acossado por denúncias, não pode propor um negócio desses, que prevê punições para jornalistas."


Tradução: George El Khouri Andolfato



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