sábado, janeiro 10, 2004

A FUNÇÃO PÚBLICA QUE PAGUE A CRISE! (e os restantes trabalhadores também.)


No ano passado todos os trabalhadores da função pública que tinham salários acima dos 1000 Euros não receberam qualquer aumento, os que tinham salários inferiores receberam aumentos miseráveis (cerca 1 ou 1,5%, se não estou em erro). Refira-se que o vencimento médio na função pública deverá rondar os 600 a 700 euros, mas reconheço não ter a certeza destes valores.

Era a teoria da "tanga", mas tanga de "tanguear", isto é dar "tanga". O défice não diminuiu e para não ultrapassar os 3% cortou-se no investimento público (o privado por causa da tal tanga continuou a níveis muito baixos), utilizaram-se artimanhas de "engenharia" financeira para "enganar" as contas públicas, diminuiu-se o salário real dos trabalhadores, e aumentou-se o desemprego. Para compensar a diminuição dos seus rendimentos os trabalhadores recorreram ao endividamento, pois os encargos continuaram a aumentar e os rendimentos a diminuir. A agravar a situação tivemos mais um ano em que o combate à fraude e evasão fiscal não fizeram progressos significativos, acentuou-se a diferença entre ricos e pobres (Portugal é o país da Europa onde esta diferença atinge níveis mais elevados). Têm sido dois anos, depois que o outro abandonou o barco, em que o fosso entre ricos e pobres tem vindo a aumentar.

Fora do contexto: Por falar em abandonar o barco, Portugal tem tido primeiros-ministros que gostam de abandonar o barco quando ele está a afundar-se (casos de Cavaco Silva e António Guterres) e outros que de tão convencidos da sua omnipotência continuam, mesmo depois de o barco já se ter transformado em frágil submarino, a pensar que estão a pilotar um avião de última geração capaz de esmagar todos à sua passagem (caso do botas, do Salazar).

Sem investimento não se gera riqueza, sem dinheiro não há consumo, sem consumo não há investimento.

Embora esta análise peque por superficial, não deixa de estar próxima da que o cidadão comum faz. Se nós estamos errados o Governo que nos prove, sem "tangas", que estamos errados.

Para 2004 as perspectivas não são nada animadoras. A função pública irá sofrer um novo congelamento de salários, ou perto disso. Os restantes trabalhadores por conta de outrem também não têm perspectivas animadoras à sua frente, pois os aumentos salárias não irão nunca repor o poder de compra, nem sequer acompanhar os ganhos de produtividade. Então e os outros? Não pagam a crise?

O Governo prevê que a retoma da economia começará a dar sinais positivos em 2005 e, em 2006, já será possível ter ganhos significativos. É curioso, 2006 é ano de eleições, nós somos ingénuos e temos a memória curta.

E os sindicatos? Os sindicatos na maioria dos casos funcionam de cima para baixo. Embora sejam compostos por pessoas maioritariamente bem intencionadas e preocupadas com os problemas sociais, a realidade é que não conseguem rentabilizar a onda de descontentamento social. Será por causa do discurso?

Também é verdade que parte dessa responsabilidade não cabe, em exclusivo, aos dirigentes, pois na maioria dos casos os trabalhadores não estão inscritos, não pagam cotas ou simplesmente alheiam-se dos problemas ou ajem isoladamente. No entanto quando os problemas apertam lá vão a correr a bater à porta do sindicato, mas nestas alturas já é sempre tarde. Por outro lado o Governo também tem responsabilidades, pois escudado na sua maioria, aprovou legislação que, com o pretexto de agilizar as relações de trabalho, atacou sobretudo os direitos dos trabalhadores. Compreendo que haja necessidade de adaptar as relações de trabalho às novas exigências do século XXI, mas nunca mascarar de negociação o que de facto é uma imposição.

Este post não pretende dar respostas, mas somente levantar questões para que se procurem soluções. Pretende recolocar a discussão ao nível dos assuntos que nos afectam a todos no dia-a-dia e não com os faits divers do caso "Casa Pia" e outros.


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