Porque é que se é deste ou daquele clube?
À partida seria de esperar que toda a gente fosse do clube da sua terra ou do seu bairro (em localidades maiores) ou então do clube a que tivessem alguma ligação óbvia.
Não se passa assim.
No meu caso, nasci para a coisa futebolística nos Olivais mas nunca me interessei grandemente nem pelo Sport Lisboa e Olivais nem pelo Desportivo de Olivais e Moscavide (apesar de os meus primeiros dois anos de vida terem sido passados nessa "bela" porta de entrada no Concelho de Loures). Fui educado pelos meus pais para ser do Benfica (o meu pai é de Santarém e a minha mãe é de Portimão por isso a coisa já vinha de trás). Fui do Benfica durante uns anos até ter idade para ir à bola. Nessa altura fiz-me sócio e passei a ir à Luz de 15 em 15 dias (os bilhetes eram à borla excepto nos "dias de clube" em que ficava em casa). Sempre me tinham chateado as discussões de futebol, cada vez as fui achando mais parvas, os argumentos sem fundamento, o defender o clube "porque sim" e, o mais parvo de tudo, as alegrias e desilusões por uma coisa completamente exterior a mim, para as quais eu não contribuía em nada e que em nada afectavam a minha vida real, mas pronto, lá ía à bola porque gostava do jogo... e do Benfica.
Pois foi esse anito em que fui sócio que fez transbordar o copo. Os insultos aos árbitros, à equipa adversária, ao treinador e jogadores por jogarem mal, as sessões de "queima de cartões" à porta do estádio quando o clube perdia, as esperas ao adversário e coisas incríveis (ou assim me pareciam na altura) como uma luta de "marmita na mona" entre benfiquistas que tinha presenciado anos antes num célebre Benfica - Ajax em que o Benfica foi eliminado por um golo em Amsterdão que tinha resultado de um livre marcado por Cruiff depois de uma "defesa" à mão do Artur.
Desatinei de vez e borrifei-me para o futebol.
O problema era que eu gostava mesmo do jogo e, anos depois, voltei a aderir como "aclubistico". Pensava eu. É que não se pode. Fiquei a saber que, ou se tem um clube ou não se gosta de futebol. Tinha de ser de um clube, fosse ele qual fosse!
Como os clubes dos Olivais continuavam a não jogar nada, não eram opção. Nessa altura, havia um pequeno clube com umas camisolas em xadrez que fazia umas coisas giras na europa, com jogadores como o Matos, o Júlio, o Folha, o Taí, o Vitorino e o "ganda maluco" do Vitor Baptista e mais o "rezingão" Alves das luvas. Como andava na minha fase preto e branco, achei o equipamento engraçado e o clube suficientemente forte para não ser gozado e suficientemente fraco para não me chatearem com discussões parvas. Aderi!
Depois de alguns anos sem grandes chatices, eis que chega o Manuel José e as taças, chega o Pacheco e o campeonato.
Bolas! deixei de ter descanso. Ou era porque os árbitros os levavam ao colo, ou era porque davam porrada, porque o Valentim era mafioso, porque o João Loureiro cantava mal, por isto ou por aquilo, voltaram as chatices.
E as alegrias? As taças e o campeonato?
Pois descobri que passavam depressa e que o pensamento seguinte era invariavelmente: "Amanhã vou chatear o pessoal todo!"
Nem isso acabava por fazer tão tristes a cabisbaixos eles andavam. Qual é a piada de bater em mortos?
Dito isto, continuo a não perceber os doentes da bola. Os arraiais de porrada por causa de um jogo (aliás, parece-me que não têm nada a ver com ele), a proliferação de leões e águias nos portões das "maisons" por esse país fora (ouvi dizer que também já há dragões), as bubas, a porrada na mulher quando o clube perde (deve ficar com cara de árbitro ou de treinador, sei lá eu), o racismo, o neo-nazismo e até os actos assassinos das várias claques, tudo isto me faz pensar que além de a maioria dos adeptos não fazer a mínima ideia do que os leva a ser deste ou daquele clube, na verdade não sabe nem quer saber ver e apreciar o que verdadeiramente interessa: a beleza de um jogo difícil, complexo, variado, quando honesto e bem jogado.
Quanto a mim, visto que o Boavista só volta a ser campeão daqui a 95 anos, estou descansado e confiante que não me vão chatear muito a moleirinha. Em relação aos outros e antecipando já a festa de seja quem for o campeão, tenham maneiras e, depois da festa confiram os bolsos a ver se a vossa vida melhorou alguma coisa com isso!