sexta-feira, outubro 31, 2003

O PENSADOR

Estrume na cabeça
É bom que fertiliza
Eu tenho até demais
Tem gente que precisa.

A merda aduba a mente
E nasce alguma idéia
Plantando outra semente
Pensando em diarréia.

Gabriel o pensador em Diário Noturno


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domingo, outubro 26, 2003

DIÁLOGO ENTRE UM PADRE E UM MORIBUNDO


Padre: Quem poderá jamais penetrar os desígnios imensos e infinitos de Deus sobre o homem, e quem é que pode compreender tudo o que nos rodeia?

Moribundo: Aquele que simplifica as coisas, meu amigo, sobretudo aquele que não multiplica as causas, para melhor emaranhar os efeitos. Para que arranjas tu uma segunda dificuldade quando não podes explicar a primeira? Uma vez que é possível que a natureza, só ela, tenha feito tudo o que atribuis ao teu deus, porque queres tu procurar-lhe um ordenador? A causa do que tu não compreendes é talvez a coisa mais simples deste mundo. Aperfeiçoa a tua física, e compreenderás melhor a natureza, depura os teus sentidos, e não mais precisarás do teu deus.

Sade, Diálogo entre um padre e um moribundo


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sexta-feira, outubro 24, 2003

AUSÊNCIAS


Recebi a notí­cia pela manhã. Soltei um uivo, sacudi o corpo e olhei em frente.

Fiquei órfão. Senti-me como um barco perdido no meio de um oceano turbulento. O meu último cordão umbilical tinha-se partido definitivamente. Como uma âncora que, secretamente, busca no fundo do oceano o ponto que lhe permita segurar o navio e devolver-lhe a segurança. Por muito forte que seja o navio, nunca pode prescindir das suas âncoras.

Um já tinha partido há alguns anos atrás, deixou-me o gosto pela coerência e pelos princí­pios. Agora a minha mãe. Deixou-me o empenho, o gosto pela vida, a tolerância e a solidariedade. Tantas coisas que me deixaram e tão poucas de que consigo falar... Neste momento!

Espero conseguir ser fiel às suas dádivas.

Num flash tudo passou pela minha frente. Eles cumpriram o seu papel no teatro da vida, cabe-me agora a mim completar o meu. Embora diferente o meu desejo é o de conseguir estar à altura do por eles desempenhado.

Envolvemo-nos no nosso mundo, pensamos que, de alguma forma, conseguimos dar uma contribuição, por pequena que seja, para um mundo melhor, mas, de repente, as nossas emoções explodem com o que nos está mais próximo e aparecem sentimentos que julgavamos que nem existiam e... sentimo-nos melhor connosco e com uma vontade redobrada de continuar o nosso processo.

Deus não existe! O que existe é a marca indelével que deixam em nós.

A vida continua inexoravelmenete, mas vou estar ausente durante alguns dias.


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COMBATE

Já está disponível na internet a edição deste mês do jornal COMBATE.

Visita-a em http://www.combate.info/


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quinta-feira, outubro 23, 2003

BRITNEY SPEARS

O Museu de Cera Madame Tussaud tem uma Britney Spears de Cera. Não Sabia que também havia de carne o osso...


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MST VERSUS MMG

A não perder o diálogo mantido entre Miguel Sousa Tavares e Manuela Moura Guedes na TVI e aqui transcrito pelo Cibertulia.


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quarta-feira, outubro 22, 2003

PETIÇÃO PARA UM NOVO REFERENDO DO ABORTO

Olá,

Caso pretendas contribuir, após o
Download segue as:

INSTRUÇÕES
1) imprimir as duas pág. numa só folha (frente e verso);
2) recolher assinaturas de qualquer cidadã/cidadão nacional, maior de 18
anos e recensead@.;
3) preencher a quadrícula nome com o nome completo sem abreviaturas (ter em
conta que o espaço é pequeno);
4) preencher a quadrícula assinatura com a mesma que consta do bilhete de
identidade;
5) devolver as folhas preenchidas para a Sede do Bloco - R. da Torriha, 151,
4050-611 PORTO


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FUTEBOLÊS - II

Para descomprimir.

Quem entende o Conselho de Justiça da Federação Portugues de Futebol?

Em recentes processos sumários a McCarthy do FC Porto e Quim, do SC Braga, por actos indignos de profissionais, foi aplicada a pena de dois jogos de suspensão. Após o cumprimento do castigo aquele órgão reduziu a pena para um jogo de suspensão a cada um.

Pergunto: é assim que os responsáveis pelo futebol em Portugal pretendem credebilizar a modalidade? Também já não vale apena credebilizar o futebol, até porque este não tem a importância que muitos lhe atribuem e se o resto está como está, porque é que nos devemos preocupar com mais ou menos bufetada, ou mais ou menos cotovelada, de alguns profissionais da bola, que ganham mais num mês do que a maioria dos portugueses num ano?

Para rematar. Até na Bancada Central da TSF aparecem cegos a comentar aquilo que, infelizmente, não viram. Um pouco de seriedade e serenidade precisa-se.

E assim vai Portugal, uns vão bem e outros mal.


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O SILÊNCIO DOS INOCENTES


Assistimos à violação de menores e permanecemos calados.

Assistimos à violação do segredo de justiça e permanecemos calados.

Assistimos às violações dos direitos do Homem e permanecemos calados.

Assistimos à violação do direito internacional e permanecemos calados.

Assistimos à violação dos mais elementares direitos de cidadania e permanecemos calados.

Assistimos à violação dos mais fracos pelos mais fortes e permanecemos calados.

Assistimos à violação do direito à diferença e permanecemos calados.

Quando é que os inocentes serão inocentados e quando é que os culpados serão culpabilizados?

Até quando iremos assistir ao silêncio dos inocentes?

Sobre o lodaçal do momento trágico que vive a sociedade portuguesa e para quem estiver interessado, aqui fica o link para a crónica de Fernando Alves nos Sinais da TSF: E Ninguém se Demite?


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terça-feira, outubro 21, 2003

APLAUSO!

Fui dar uma vista de olhos aos últimos posts do Blogame Mucho e... gostei!


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segunda-feira, outubro 20, 2003

METADIÁLOGOS


Filha: Pai, já alguém mediu alguma vez quanto é que qualquer outra pessoa sabia?

Pai: Oh, sim. Muitas vezes. Mas não sei exactamente o que é que esses resultados querem dizer. Eles fazem isso com exames e testes e questionários, mas é como tentar saber o tamanho duma folha de papel atirando-lhe pedras.

Filha: O que é queres dizer?

Pai: Quero dizer que, se atirares pedras a duas folhas de papel à mesma distância e acertares mais vezes numa do que noutra, provavelmente aquela em que acertaste mais vezes é maior que a outra. Da mesma maneira, num exame atiras uma série de perguntas aos alunos e, se acertares em mais pedaços de conhecimento num aluno do que nos outros, então pensas que esse aluno deve saber mais.


Gregory Bateson, Metadiálogos


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domingo, outubro 19, 2003

ABORTO


Após uma discussão na mailling-list dos Mão Morta sobre o Aborto na qual tenho participado, o Adolfo Luxúria Canibal mandou este email que partilho convosco:

Olá!

(...) Eu votei 3 vezes na minha vida: a primeira, quando fiz 18 anos, para ver como era, não me lembro já que tipo de eleições eram, se votei em alguém ou se me limitei a ir desenhar um caralho; a segunda, na primeira eleição de Mário Soares para Presidente da República, contra Freitas do Amaral; a terceira, no referendo ao aborto, em que fui de Lisboa a Braga (local onde estou recenseado) de propósito, ida e volta no mesmo dia.

A legislação portuguesa sobre a interrupção da gravidez é uma vergonha, digna da obscurantista Idade Média, quando a Igreja punha e dispunha do imaginário das pessoas. Só tem comparação com as leis das mui católicas
Irlanda e Polónia, o que já de si diz tudo!...

A questão do aborto é uma questão estritamente feminina, prende-se unicamente com a liberdade da mulher em dispôr do seu corpo (eu, enquanto ser masculino, não me deveria sequer pronunciar sobre o assunto, fosse em simples opinião fosse em referendo, porque nada sei sobre o sofrimento feminino ou sobre a dolorosa opção que é para uma mulher a prática do aborto - só o faço porque, numa sociedade falocrática como a nossa, em que os homens se arrogam o direito de em tudo intervir e tudo decidir, essa prerrogativa está ao meu dispôr e eu amo demasiado as mulheres para a não
utilizar ao seu serviço, no sentido de lhes restituir a liberdade que os homens lhes usurpam: a de serem donas do seu corpo!). Juridicamente, um óvulo fecundado não é um ser vivo, é quando muito uma potência de ser vivo, um nascituro, e só enquanto tal lhe são atribuídos direitos, condicionados, suspensos, até que se verifique o facto que os torne efectivos - o nascimento. Toda a campanha contra o aborto baseada num pretenso 'direito à vida' é, nesse sentido, uma falácia, tanto mais ridícula quanto os que defendem o direito à vida a propósito do aborto se não são os primeiros a defenderem a pena de morte como sanção criminal pelo menos estampam um silêncio cúmplice a esse propósito, como é o caso da Igreja Católica. Ou seja, à falácia juntam a hipocrisia!

O aborto não é um método contraceptivo e a sua legalização não o transforma em tal, bem como não o torna obrigatório para ninguém - se uma mulher numa situação de gravidez indesejada, por motivos morais, filosóficos ou religiosos não quer recorrer ao aborto, não é por o mesmo estar legalizado que ela é obrigada a fazê-lo, bem pelo contrário, ela é livre de utilizar o seu corpo como bem entender e de guardar a futura criança se assim o desejar. Mas se uma outra mulher na mesma situação, mas que não partilha os mesmos sentimentos morais, filosóficos ou religiosos, pretender recorrer ao
aborto, ela pode fazê-lo em condições de higiene e segurança. Isto é ter respeito pela mulher e pela liberdade das suas opções! Não é o que se passa actualmente, com a lei em vigor, em que em nome de retóricos princípios de 'direito à vida' uns cabotinos eclesiásticos e fascistóides tentam impôr um comportamento padrão, controlando o que é da esfera do íntimo e do privado, mas que longe de atingir os seus objectivos só envia para a clandestinidade as mulheres que recorrem ao aborto, com os consequentes riscos de morte ou de prisão.

Eu tinha 17 anos quando uma das minhas melhores amigas e colega de classe morreu na sequência de uma infecção generalizada subsequente à prática de um aborto clandestino. O seu namorado, também um amigo meu embora menos
próximo, que a acompanhou à parteira e que a levou ao hospital quando se tornou evidente que algo estava mal, foi julgado e condenado a uma pena de prisão, que cumpriu, por cumplicidade na prática de aborto. Desde então perdi a conta às amigas que acompanhei a desmanchos, sempre de coração cerrado, torcendo para que tudo corra bem (eu próprio participei num, como conto numa crónica do "Estilhaços") - não é a proibição e a criminalização que impedem o aborto, só o tornam escusada e estupidamente perigoso!

Resumindo, tudo o que possa ser feito para acabar com uma lei iníqua e vergonhosa, venha de onde vier, tem o meu apoio descarado e incondicional. É um princípio que nem sequer discuto, estamos entendidos?

Um abraço


Adolfo Luxúria Canibal


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MANIFESTO DOS BLOGUES EMPENHADOS


Depois de ter questionado alguns bloguistas sobre a origem do logo "Movimento dos Blogues Empenhados" resolvi aderir à iniciativa. Por isso dou aqui a conhecer o Manifesto deste grupo de Bloguistas Solidários. Junta-te a nós!

Manifesto do Movimento dos Blogues Empenhados




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FUTEBOLÊS - I


Para descomprimir.

Porque é que o jornal A Bola insiste em atribuir menos um golo a Derlei na lista dos melhores marcadores da Superliga? Golo que este jogador marcou recentemente no jogo em que o FC Porto defrontou a Académica. Todos os restantes órgão de comunicação social atribuíram o golo a Derlei.

Porque é que Deco, o Mágico, não aprende a controlar melhor os seus ímpetos no terreno de jogo? A arte e a magia também passam por aí.


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COMO É POSSÍVEL?


Fiquei completamente chocado e não tenho palavras para descrever o horror e a revolta que esta notícia do JN me provocou. Já não bastava tudo o que se tem passado nas últimas semanas ainda era preciso mais isto.

Uns praticam o crime, outros não cumprem as suas obrigações e depois ainda há os que já sabiam que isto ia acontecer mas só depois da tragédia é que falam.


É com casos destes que a minha descrença nas pessoas e nas instituições não para de aumentar.

Estamos na bonança que antecede a tempestade e eu não tenho medo da tempestade, mas sim da bonança.

Basta de podridão!


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sábado, outubro 18, 2003

SOLIDARIEDADE, MUITA SOLIDARIEDADE


Depois da excelente campanha de solidariedade, a que muitos blogs aderiram, contra a leucemia, seria intereessante não deixar morrer essa onda e lançarmos com mais frequência campanhas idênticas sobre os mais variados temas.

Seria uma autêntica pedrado no charco.

Proponho que a próxima campanha seja contra a pobreza e a exclusão social.

O Solidariedade Blog poderia ser o nosso elo de ligação.


Aqui fica a ideia, vamos esperar o feedback.


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quinta-feira, outubro 16, 2003

ALGUÉM TEM POR AÍ UMAS GOTINHAS?




Eu bem me parecia que o nosso primeiro andava com problemas de visão...

Embora relutante, mas uma vez que anda muita gente por aí a classificar os outros pelo seu aspecto, aqui fica mais um ogre para a colecção.

No entanto não seria mau que todos nós, os(as) belos(as), fossemos rever o "Shrek", pois a grande lição dessa animação é precisamente que as pessoas, não devem ser avaliadas pelo seu aspecto exterior, isso é preconceito.

Critique-se pelas ideias e pelas acções, mas não pelo aspecto, o apartheid já acabou.


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CICLO FERNANDO PESSOA (1888-1935) - VII



CURIOSIDADE - DOIS POEMAS TRADUZIDOS POR PESSOA

HINO A PÃ

Vibra do cio subtil da luz,
Meu homem e afã
Vem turbulento da noite a flux
De Pã! Iô Pã!
Iô Pã! Iô Pã! Do mar de além
Vem da Sicília e da Arcádia vem!
Vem como Baco, com fauno e fera
E ninfa e sátiro à tua beira,
Num asno lácteo, do mar sem fim,
A mim, a mim!
Vem com Apolo, nupcial na brisa
(Pegureira e pitonisa),
Vem com Artêmis, leve e estranha,
E a coxa branca, Deus lindo, banha
Ao luar do bosque, em marmóreo monte,
Manhã malhada da àmbrea fonte!
Mergulha o roxo da prece ardente
No ádito rubro, no laço quente,
A alma que aterra em olhos de azul
O ver errar teu capricho exul
No bosque enredo, nos nás que espalma
A árvore viva que é espírito e alma
E corpo e mente - do mar sem fim
(Iô Pã! Iô Pã!),
Diabo ou deus, vem a mim, a mim!
Meu homem e afã!
Vem com trombeta estridente e fina
Pela colina!
Vem com tambor a rufar à beira
Da primavera!
Com frautas e avenas vem sem conto!
Não estou eu pronto?
Eu, que espero e me estorço e luto
Com ar sem ramos onde não nutro
Meu corpo, lasso do abraço em vão,
Áspide aguda, forte leão -
Vem, está fazia
Minha carne, fria
Do cio sozinho da demonia.
À espada corta o que ata e dói,
Ó Tudo-Cria, Tudo-Destrói!
Dá-me o sinal do Olho Aberto,
E da coxa áspera o toque erecto,
Ó Pã! Iô Pã!
Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã Pã! Pã.,
Sou homem e afã:
Faze o teu querer sem vontade vã,
Deus grande! Meu Pã!
Iô Pã! Iô Pã! Despertei na dobra
Do aperto da cobra.
A águia rasga com garra e fauce;
Os deuses vão-se;
As feras vêm. Iô Pã! A matado,
Vou no corno levado
Do Unicornado.
Sou Pã! Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã!
Sou teu, teu homem e teu afã,
Cabra das tuas, ouro, deus, clara
Carne em teu osso, flor na tua vara.
Com patas de aço os rochedos roço
De solstício severo a equinócio.
E raivo, e rasgo, e roussando fremo,
Sempiterno, mundo sem termo,
Homem, homúnculo, ménade, afã,
Na força de Pã.
Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã!


Aleister Croeley
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O CORVO

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de algúem que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.

É só isto, e nada mais."
Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,

Mas sem nome aqui jamais!
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.

É só isto, e nada mais".
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.

Noite, noite e nada mais.
A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.

Isso só e nada mais.
Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.

"É o vento, e nada mais."
Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,

Foi, pousou, e nada mais.
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."

Disse o corvo, "Nunca mais".
Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,

Com o nome "Nunca mais".
Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".

Disse o corvo, "Nunca mais".
A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais

Era este "Nunca mais".
Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,

Com aquele "Nunca mais".
Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,

Reclinar-se-á nunca mais!
Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"

Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!

Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"

Disse o corvo, "Nunca mais".
"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"

Disse o corvo, "Nunca mais".
E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,

Libertar-se-á... nunca mais!


Edgar Allan Poe

colocado por Isa


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REFEREN... DO QUÊ?


Não posso deixar de agradecer mais uma vez ao Bloguitica que me, digo, que nos chamou à  atenção para o artigo de Fernado Rosas no Público de ontem o qual, infelizmente, não tinha lido por manifesta falta de tempo, intitulado Um Referendo Ou Uma Farsa?.


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AS BRASILEIRAS DE BRAGANÇA II

Depois de ter dado uma rápida vista de olhos ao Bloguitica Nacional que, no seu post "A Subtileza no Exercício da Censura III" me redirecciona para a Lusa fiquei exactamente na mesma posição, isto é, já não entendo nada.

Os censurados pedem desculpa aos censores para recuperar uns dinheiritos, porque por mais rica que seja a TIME, dinheiro é sempre dinheiro.

Em conclusão quem fica a perder é a sociedade portuguesa porque, devido à lei da rolha, perdeu mais uma oportunidade de se reciclar e de depurar os censores mais ou menos encapotados.

Esperemos pelos próximos episódios, mas provavelmente não voltarei ao assunto, pois para mim é incompreensível que alguém que deve defender acerrimamente a liberdade de expressão se vergue à vontade de um mero amunuense do lápis azul. Disse.


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O BELO E O FEIO, QUEM SABE ONDE ESTÁ?

Um dia a Beleza e a Fealdade encontraram-se numa praia. E disseram uma à outra: Banhemo-nos no mar. Então, tiraram a roupa e puseram-se a nadar nas águas. E, após algum tempo, a Fealdade voltou à praia vestiu-se com os trajes da Beleza, e foi-se embora.

E a Beleza também voltou do mar, não encontrou suas roupas e, por vergonha de ficar nua, vestiu a roupa de Fealdade. E seguiu o seu caminho.

E de então até agora, alguns homens e mulheres enganam-se, tomando uma pela outra.

Contudo, alguns tinham visto a face da Beleza e a reconhecem, apesar do seu vestuário. E alguns conhecem a face da Fealdade, e as roupas da Beleza não a ocultam a seus olhos.


Gibran Khalil Gibran

colocado por Isa


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LEUCEMIA



Alguém está em PERIGO DE VIDA!
Alguém precisa da tua AJUDA!

Porque esperas? Se estás em condições de ajudar não sejas solitário... SÊ SOLIDÁRIO!

CONTRA A LEUCEMIA!

Para mais informações contactar a Andreia através do blog AANES.

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SER SOLIDÁRIO

Ser solidário assim pr'além da vida
Por dentro da distância percorrida
Fazer de cada perda uma raíz
E improvavelmente ser feliz

[...]

Ser solidário assim tão longe e perto
No coração de mim por mim aberto
Amando a inquietação que permanece
Pr'além da inquietação que me apetece

[...]

Ser solidário sim, por sobre a morte
Que depois dela só o tempo é forte
E a morte nunca o tempo a redime
Mas sim o amor dos homens que se exprime

[...]


José Mário Branco


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quarta-feira, outubro 15, 2003

AS BRASILEIRAS DE BRAGANÇA

Li ontem na Lusa que o governo português proibiu a publicidade ao Euro 2004 na TIME em resultado do artigo recentemente publicado pela TIME Europe, intitulado When the Meninas came to Town.

Mais uma vez me parece que o complexo da avestruz está a tomar proporções inusitadas. A TIME limitou-se a dar realce a um facto que existe e que, para a dimensão da cidade, afecta grande parte das famílias brigantinas. Por outro lado o artigo revela, que a necessidade que alguns, muitos, evidenciam, está directamente relacionada com um casamento fundado em preconceitos, onde a mulher assume um papel subalterno no plano da relação do casal. Em que o casal não assume a sexualidade plena, mas pelo contrário esta se funda em pressupostos machistas.

Neste contexto os homens julgam-se obrigados a satisfazer os seus anseios e fantasias sexuais com mulheres que julgam inferiores e a quem pagam para que lhes satisfaçam as suas necessidades. Muitas vezes essas necessidades nem são de carácter sexual, mas tão somente a de alguém que esteja disposto a ouvir os seus problemas físicos, profissionais, passionais, sonhos, etc. Nem que para isso tenham de pagar.

De que têm medo as mulheres bragançanas? Antes da vinda das brasileiras os seus maridos já não apresentavam o mesmo tipo de comportamento? Mais camuflado, é certo, porque o objecto do prazer estava mais dissimulado. Esta reacção não será simplesmente uma reacção xenófoba?

De facto algo vai mal no seio da família portuguesa, mas esse algo tem a ver essencialmente com os valores, as atitudes e as relações interpessoais entre os elementos do casal e de uma comunidade.

A solução parece-me estar numa revalorização dos valores, isto é, na aquisição de um novo conceito de convivência entre homens e mulheres, que já não é novo, mas que tarda em chegar a comunidades mais conservadoras e fechadas, que passe sobretudo por uma situação de igualdade entre os sexos e a aceitação da diferença.

Perante esta situação o governo português, que nos habituou às reacções em câmara lenta, foi célere. Meteu pés ao caminho e há que castigar os fautores, utilizando uma arma que, inocentes, julgávamos já definitivamente irradicada, a censura. Ai os meninos dizem que nós portugueses gostamos da pouca vergonha, então vão ser castigados e não vão poder publicar uma linha de publicidade sobre o Euro 2004. Cá está a política da avestruz, em vez de encarar os factos, o governo assobia para o lado e mete a cabeça no buraco.

Quem ficará a perder com esta atitude? A TIME e as ditas brasileiras não serão, de certeza.


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terça-feira, outubro 14, 2003

SINERGIA

A sinergia anda na boca de toda a gente. É a palavra do momento.

Segundo o Dicionário da Porto Editora (8ª Edição): s. f. efeito resultante da acção de diferentes agentes que actuam de modo semelhante e de valor superior ao do conjunto desses agentes, se actuassem separadamente [...]. (Do grego synergía, «cooperação»)

Fala-se mais de sinergias do que de facto existem.


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segunda-feira, outubro 13, 2003

CICLO FERNANDO PESSOA (1888-1935) - VI



CURIOSIDADE - PESSOA EM CHINÊS



AUTOPSICOGRAFIA

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.


28.02.1929

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Ao longe, ao luar,
No rio uma vela
Serena a passar,
Que é que me revela?

Não sei, mas meu ser
Tornou-se-me estranho,
E eu sonho sem ver
Os sonhos que tenho.

Que angústia me enlaça?
Que amor não se explica?
É a vela que passa
Na noite que fica.


5.08.1921

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Fonte: Antologia de Fernando Pessoa.
Seleção, tradução e anotações de Zhang Weimin.
Instituto Cultural de Macau, 1988

colocado por Isa


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SERÁ QUE OUVI BEM?

No telejornal de hoje da RTP 1 foi noticiado que um estudo levado a cabo pela União Europeia concluiu que a zona da Grande Lisboa é aquela em que os cidadãos têm mais poder de compra da Península Ibérica, no entanto ocupa o 5º lugar na produção de riqueza. Há ainda a realçar que a maioria das restantes regiões portuguesas ocupam os últimos lugares deste mesmo estudo.

Muito sumariamente há aqui algumas conclusões a tirar. Se a região de Lisboa é a que tem o maior poder de compra, mas é só a quinta na produção de riqueza, não haverá aqui algo de estranho? Não será, por acaso fruto da economia paralela? Por outro lado sendo aquela a primeira e as restantes regiões portuguesas as últimas, não haverá necessidade de uma melhor distribuição dos dinheiros públicos para combater esta assimetria.

O que têm a dizer a este respeito as restantes regiões? Não deverá haver por parte do Grande Porto, Norte (Minho, Trás-os-Montes e Alto Douro), Interior Centro (Beira Alta, Beira Baixa e Ribatejo), Litoral Centro (Beira Litoral e Estremadura), Sul (Alentejo e Algarve), um maior poder reivindicativo?

Vou esperar pelos jornais de amanhã para ler a notícia com mais atenção e, muito provavelmente, voltarei ao assunto.


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PROTECÇÃO DA NATUREZA

Será que se vai iniciar alguma campanha mundial a favor da protecção da avestruz?

Não me parece que seja necessário, pois não só não está em vias de extinção como, inclusivamente, está a multiplicar-se a uma velocidade assustadora.


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O ENSINO DE PORTUGUÊS EM PORTUGAL

Acuso os responsáveis pelos programas do ensino de Português nas escolas portuguesas de irresponsabilidade!

Ouvi hoje no Forum da TSF que os manuais do de Português para o 10º ano abordam temas como: "Big Brother", telenovelas, etc.

Então a literatura de expressão portuguesa fica para segundo plano?

O que é que se pretende? Formar cidadãos ou papagaios?

Oportunamente voltaremos ao assunto. Entretanto pedimos aos bloguistas que manifestem a sua opinião sobre o ensino do Português nas nossas escolas.


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SOCIEDADE RECREATIVA

Aplaudo o cartoon de Luís Afonso na PÚBLICA de ontem (12 de Outubro de 2003), infelizmente não disponível online.

Destaco ainda o excelente artigo publicado na mesma revista e no mesmo dia, da autoria de Carlos Picassinos, intitulado: Intriga na Cidade Santa.

Não há no mundo situação mais explosiva do que a do médio oriente e continuamos a olhar para lá com os olhos de um cego.


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O POVO É SERENO! É SÓ FUMAÇA!

Até um dia, digo eu.


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A ANA GOMES

A senhora não deu um tiro no pé, acabou de descarregar o carregador de uma AK 47 nos dois pés.

Parece que está apostada em destruir a imagem que construiu da sua pessoa. Por favor deixe-se de futebolês, denuncie, acuse, mas no lugar próprio e com provas. Não venha dizer, inocentemente, que não sabia que havia microfones na sala. Mas será que o facto de não haver microfones sala muda alguma coisa? Não é o microfone que, mas sim a senhora que faz as suas afirmações. Ou não será?

Até parece que estamos a voltar ao tempo das conversas de escárnio e maldizer, mas essas, pelo menos, sabíamos a quem eram destinadas e ainda por cima tinham humor.

Não gosto deste ping-pong dos políticos. Até parece que foram atacados pelo vírus típico do futebolês.

Não quero que fique subentendido que considero que esta reacção, quase a roçar o histerismo, seja de exclusiva responsabilidade da Drª Ana Gomes. A verdade é que a denúncia, ou insinuação, não sei, não li o artigo, do "Le Point" foi publicada já lá vão dois ou três meses e a nossa imprensa, sempre tão ávida de sangue, que eu saiba não deu qualquer cobertura à notícia vinda do estrangeiro. O Prurador Geral da República não fez qualquer comentário, quando aqui seria benvindo. Os políticos ficaram mudos e quedos. Com medo?

Penso que a dúvida de Ana Gomes é desadequada em relação ao tempo em que é feita, mas também compreendo que devia ser feita, no tempo certo, isto é, na altura em que a notícia foi publicada, e não ser jogada como uma carta que se tem na manga.

Para terminar a minha pergunta é só uma: a quem interessa este pântano?


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ABRAÇO

De repente me deu vontade de um abraço...
uma vontade de entrelaço, de proximidade...
de amizade, sei lá...
Talvez um aconchego que enfatize a vida e
amenize as dores...
Deu vontade de poder rever saudade de um abraço.
Só sei que me deu vontade desse abraço...


Vinícius de Moraes

colocado por Isa


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domingo, outubro 12, 2003

O PRESIDENTE DA CML AGRADECE A ESCRITOR JÁ FALECIDO



Então para sua informação cá vai: Joaquim Machado de Assis (1839-1908). Escritor brasileiro filho de pai mulato e mãe açoriana, veio a casar com uma senhora do Porto. Autodidacta, foi toda a vida jornalista. Cultivou a poesia, o romance, a novela, o conto, a crónica, o teatro e a crítica. Como ficcionista ocupa lugar cimeiro na literatura brasileira como mestre do realismo no Brasil e um dos clássicos da língua portuguesa.

Esta informação está disponível em qualquer enciclopédia básica. Este texto foi retirada da Mini Enciclopédia do Círculo de Leitores. Não seria má ideia distribuir alguns exemplares desta obra, ou outra similar, pelos membros do gabinete do Dr. Santana Lopes. Poupava alguns embaraços.


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CICLO JOSÉ RÉGIO (1901-1969) - I



Pseudónimo do poeta português José Maria dos Reis Pereira, natural de Vila do Conde. José Régio foi co-fundador da revista Presença (1927), de que foi um dos principais animadores. Escreveu poemas, peças de teatro, romances, ensaios, crítica literária e memórias.

Cântico Negro

«Vem por aqui» - dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: «vem por aqui»!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha Mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam os meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: «vem por aqui»?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: «vem por aqui»!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átmo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
- Sei que não vou por aí!


José Régio, Poemas de Deus e do Diabo, 1925

Aconselho a audição da excelente interpretação deste poema dito por João Villaret, num espectáculo memorável que deu no S. Luís, em Lisboa, nos finais dos anos 50 ou princípios de 60. Existe gravação em CD editada em 1991 pela EMI-Valentim de Carvalho, que infelizmente é muito pobre, para não dizer nula, em informações adicionais, ao contrário da edição original em vinil que possuía muito mais informação.


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CICLO FERNANDO PESSOA (1888-1935) - V



Mar Português

O mar era doce. Segundo Fernando Pessoa, ficou salgado com as lágrimas do povo português. Para imortalizar o lado doloroso e trágico dos heróis portugueses, Fernando Pessoa escreveu: “quem quer passar alem do Bojador. Tem que passar além da dor”.O artista valoriza os sentimentos de um povo e engrandece uma nação. Dá cor, sabor e imortaliza. Ao ler o texto abaixo, dá vontade de voltar a Lisboa, olhar o Tejo e imaginar as caravelas partindo em busca de sonhos.

"Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu"


colocado por Isa


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sábado, outubro 11, 2003

CALEM-SE!!!

Jornalistas, políticos, Procurador-Geral da República, juízes, advogados, opinion makers, segredo de justiça, acusados, arguidos, inocentes e culpados.

Deixem a Justiça ser JUSTA!

O vosso ruído tornou-se insuportável.

CALEM-SE!!!


Edvard Munch (1863-1944), Scream


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BUROCRACIA



colocado por F'Santos


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CICLO FERNANDO PESSOA (1888-1935) - IV



O Espiritualismo Pessoano

Texto de Isabel M. França


Há aspectos da personalidade de Pessoa de que se fala muito, os fenômenos de mediunidade e o ocultismo, pelo qual ele parecia muito interessado. Parece-me até que fazem parte do seu mundo espiritualista e são dados relevantes na análise da sua personalidade e da sua obra. De fato isso tem dado muito pano para mangas e tem um fundo de verdade. Ele sempre gostou do mistério, do oculto. Chegou a participar em concursos de charadismo, tal era o seu interesse em decifrar e resolver problemas complicados. Era ele que dizia qualquer coisas como: “Tenho interesse pela vida como um decifrador de charas.” É realmente uma faceta do seu caráter que não se pode esquecer. Adorava astrologia, e chegou a fazer, como se sabe, vários horóscopos de amigos seus, dos seus heterônimos e também o horóscopo de Portugal e, diga-se, com bastante precisão. Desde criança sempre leu imenso sobre astrologia.

Parece-me que ele começou muito cedo a interessar-se de uma forma reveladora, de uma alma bastante evoluída, pelo sentido do universo. Assim, nos tempo da sua infância, a sua imaginação é já extremamente poderosa. Na adolescência o seu intelecto começa a penetrar nos diversos campos do ocultismo. Quando chega a Portugal, ele traz já consigo uma alma tão vasta e profunda, que o meio português só podia ser para ele um campo a fertilizar e, por isso, se assumirá como super-Camões na revista a “Águia” que substanciava na época o que de melhor tínhamos de sensibilidade e inteligência.

Contudo a sua imaturidade era ainda grande e, portanto, a sua genialidade brotava do ego e não duma relação com ordem do universo. Será este o choque que ele recebeu ao ler as obras teosóficas que fora encarregado de traduzir. É aqui que Fernando Pessoa começa realmente a assumir mais profundamente a possibilidade de um conhecimento espiritual completo e verdadeiro. Depois a sua sede de uma maior compreensão de si próprio, do universo e de Deus levam-no a começar a investigar os diversos outros movimentos e tradições, que já não são tão marcadamente orientais, como o era a Teosofia. É pois neste sentido que ele aprofundará a Cabala, a Maçonaria, os Templários, os Rosa-Cruzes, a Alquimia, etc.

Realmente o espiritismo representa uma das primeiras experiências que Pessoa faz no campo do oculto. Mais tarde ele assumirá uma posição crítica em relação ao mediunismo, mas 1915 e 1916 são inúmeras as consultas que ele faz aos espíritos para que o informem desde as coisas triviais, como amor e o dinheiro, às coisas mais ligadas com sua missão. São muitos os perigos que podem resultar da prática do espiritismo. Nos textos que nos restam, alguns há em que ele aponta as respostas dos presumíveis espíritos, e há mesmo situações de conflito, em que certos espíritos lhe dizem que ele está a ser vítima de maus espíritos. Outros textos apresentam provas de inegável valor espiritual. Será de atribuir tudo a espíritos ou em grande parte ao seu subconsciente? A partir de 1917-18 Pessoa deixa de praticar e escreve o seu já conhecido relatório sobre “Um caso de mediunidade”, que é ele próprio, e afasta-se de tais práticas, para se abrir a um invisível, que não sabemos o que é, e que não é controlado pela vontade.

A célebre carta que Fernando Pessoa escreve a sua tia Anica, escrita em 1916, será um texto verdadeiro e importante para a compreensão da sua espiritualidade? Talvez seja melhor reler-lhe a carta:

“O fato é o seguinte. Aí por fins de Março ( se não me engano) comecei a ser médium. Imagine! Eu, que ( como deve recordar-se) era um elemento atrasador nas sessões semiespíritas que fazíamos, comecei, de repente, com a escrita automática. Estava uma vez em casa, de noite, vindo da Brasileira, quando, senti vontade de, literalmente, pegar numa pena e pô-la sobre o papel. É claro que depois é que dei por o fato de que tinha esse impulso. No momento, não reparei no fato, tomei-o como o fato, natural em quem está distraído, de pegar numa pena para fazer rabiscos. Nessa primeira sessão comecei por a assinatura (bem conhecida de mim) ‘Manuel Gualdino da Cunha’. Eu nem longe estava pensando em meu tio Cunha. Depois escrevi umas coisas, sem relevo, nem interesse nem importância.

De vez em quando, uma vezes voluntariamente, outras obrigado, escrevo. Mas raras vezes são ‘comunicações’ compreensíveis. Certas frases percebem-se. E há sobretudo uma coisa curiosíssima - uma tendência irritante para me responder a perguntas com números; assim como há a tendência para desenhar. Não são desenhos de coisas mas de sinais cabalísticos e maçônicos, símbolos do ocultismo e coisas assim que me perturbam um pouco. Não é nada que se pareça com a escrita automática da tia Anica ou da Maria - uma narrativa, uma série de respostas em linguagem coerente. É assim mais imperfeito, mas muito mais misterioso.

...

Guardo, porém, para o fim o detalhe mais interessante. É que estou desenvolvendo qualidades não só de médium escrevente mas também, de médium vidente. Começo a ter aquilo a que os ocultistas chamam a ‘visão astral’ e também a chamada ‘visão etérica’. Tudo isto está muito em princípio, mas não admite dúvidas. É tudo, por enquanto, imperfeito e em certos momentos só, mas nesses momentos existe.

Há momentos, por exemplo, em que tenho perfeitamente alvoradas (?) de ‘visão etérica’ - em que vejo a ‘aura magnética’ de algumas pessoas e, sobretudo, a minha ao espelho e no escuro, irradiando-me das mãos. Não é alucinação, porque o que eu vejo outros vêem-no, pelo menos um outro, com qualidades destas mais desenvolvidas. Cheguei, num momento feliz de visão etérica, a ver, na Brasileira do Rossio, de manhã as costelas de um indivíduo através do fato e da pele. Isto é que a visão etérica no seu pleno grau. Chegarei eu a tê-la realmente, isto é, mais nítida e sempre que quiser?

A ‘visão astral’ está muito imperfeita. Mas às vezes, de noite, fecho os olhos e há uma sucessão de pequenos quadros, muitos rápidos, muito nítidos (tão nítidos como qualquer coisa do mundo exterior). Há figuras estranhas, desenhos, sinais simbólicos, números (também já tenho visto números), etc.

E há - o que é uma sensação muito curiosa - por vezes a sentir-me de repente pertença de qualquer outra coisa. O meu braço direito, por exemplo, começa a ser-me levantado no ar sem eu querer. ( É claro que posso resistir, mas o fato é que não o quis levantar nessa ocasião). Outras vezes sou feito cair par um lado, como se estivesse magnetizado, etc.

Perguntará a tia Anica em que é que isto me perturba, e em que é que estes fenômenos - aliás, ainda tão rudimentares -me incomodam? Não é o susto. Há mais curiosidade do que susto, ainda que haja às vezes coisas que metem certo respeito, como quando, várias vezes, olhando para o espelho, a minha cara desaparece e me surge uma face de homem de barbas ou um outro qualquer (são quatro, ao todo, os que assim aparecem).

O que me incomoda um pouco é que eu sei pouco mais ou menos o que isso significa. Não julgue que é loucura. Não é: dá-se até o fato curioso de, em matéria de equilíbrio mental, eu estar bem como nunca estive. É que tudo isto não é vulgar desenvolvimento de qualidades de médium. Já sei o bastante das ciências ocultas para reconhecer que estão sendo acordados em mim os sentidos chamados superiores para um fim qualquer que o mestre desconhecido, que assim me vai iniciando, ao impor-me esta existência superior, me vai dar um sofrimento muito maior do que até aqui tenho tido, e aquele desgosto profundo de tudo o que vem com a aquisição destas altas faculdades. Além disso, já o próprio alvorecer dessas faculdades é acompanhado duma misteriosa sensação de isolamento e de abandono que me enche de amargura até o fundo da alma. Enfim, será o que tiver de ser.
Eu não digo tudo, porque nem tudo se pode dizer: Mas digo o bastante para que, vagamente, me compreenda.

Não sei se realmente julgará que estou doido. Creio que não. Estas coisas são anormais, sim, mas não antinaturais.”

Nesta carta que contém várias afirmações importantes, o que oferecerá mais interesse será a visão etérica e astral que ele teve nessa época. Ora Pessoa, que na altura já estava a ficar a par dos ensinamentos mais profundos da Teosofia, pensou que estava a ser guiado por mestre desconhecido numa iniciação dos seus sentidos superiores. O que aqui surge mais interessante é pensarmos que na altura, tinha 28 anos e podia aspirar, sem dúvida alguma, a um despertar espiritual com a conta peso e medida que seu mestre interno ou até algum mestre externo lhe transmitisse. Porém, a sua missão nesta sociedade portuguesa tão atrasada e materialista foi muito mais a de um escritor, que tenta quebrar a estagnação do meio, abrir sensibilidades e posições de vidas novas e revolucionárias, do que a posição e a missão dum discípulo dos mestres.

O espiritualismo pessoano é apenas mais uma mistificação?

Se bem que o caráter de dramaturgo, de criador literário fosse um dos traços mais salientes da já multifacetada personalidade de Pessoa, mas não há dúvida alguma que, como alma, ele assumiu o caminho espiritual que desde muito novo o inspirou e que até à morte sempre o norteou. Com efeito, toda a alma é religiosa, ele próprio o disse: “Um homem que não acredita em Deus é um animal.”

Se é um fato que ele atravessou fases muito cépticas e anticrísticas, nunca, porém deixou de acreditar, e, com o tempo, teve a certeza que existe o espírito, os grandes seres, a divindade, e que nós em evolução temos que nos assumir como corpos, almas e espíritos sob as orientações dum todo, que a ele constantemente inspiraram.

E assim podemos dizer que ele teve experiências concretas espirituais, que não é só invenção de palavras, mas foram estados de consciência produzidos pelas suas meditações e pela sua vida, e que de tal modo foram importantes, que ele as procurou sistematizar em diversos textos, em que ensina ou transmite a revelação dos princípios da ordem do universo e da própria hierarquia divina.
Talvez que a famosa carta escrita por Fernando Pessoa a Casais Monteiro, em 1935, possa explicar melhor essa hierarquia divina:

“Falta responder à sua pergunta quanto ao ocultismo. Pergunta-me se creio no ocultismo. Feita assim, a pergunta não é bem clara; compreendo, porém, a intenção e a ela respondo. Creio na existência de mundos superiores ao nosso e de habitantes desses mundos, em experiências de diversos graus de espiritualidade, satirizando-se até se chegar a um Ente Supremo, que presumivelmente criou este mundo. Pode ser que haja outros Entes, igualmente Supremos, que hajam criado outros universos, e que esses universos coexistam com o nosso, interpenetradamante ou não. Por essas razões, e ainda outras, a Ordem externa do Ocultismo, ou seja, a Maçonaria, evita (exceto a Maçonaria anglo-saxônica) a expressão ‘Deus’, dadas as suas implicações teológicas e populares, e prefere dizer ‘Grande Arquiteto do universo’, expressão que deixa em branco o problema de se Ele é criador ou simples governador do mundo. Dadas estas escalas de seres, não creio na comunicação direta com Deus, mas, segundo a nossa afinação espiritual, podemos ir comunicando com seres cada vez mais altos. Há três caminhos para o oculto; o caminho mágico (incluindo práticas como as do espiritismo, intelectualmente ao nível da bruxaria, que é a magia também), caminho esse extremamente perigoso em todos os sentidos; o caminho místico, que não tem propriamente perigos, mas é incerto e lento; o que se chama o caminho alquímico, o mais difícil e o mais perfeito de todos, porque envolve uma transmutação da própria personalidade, que a prepara, sem grandes riscos, antes com defesas que os outros caminhos não tem. Quanto à ‘iniciação’ ou não, posso dizer-lhe só isto, que não sei se responde à sua pergunta: não pertenço a Ordem Iniciática nenhuma. A citação epígrafe ao meu poema Eros e Psique, de um trecho (traduzido, pois o Ritual é em latim) do Ritual do Terceiro Grau da Ordem Templária de Portugal, indica simplesmente - o que é um fato - que me foi permitido folhear os Rituais dos três primeiros graus dessa Ordem, extinta ou em dormência desde cerca de 1888. Se não estivesse em dormência, eu não citaria o trecho do Ritual, pois se não devem citar (indicando a origem) trechos de Rituais que estão em trabalho...”

Dois meses depois, a 30 de Março de 1935, no Resumo biográfico, ele esclarecerá a sua posição iniciática, se bem que tenha pedido que não fosse revelado: “Iniciado, por comunicação direta de Mestre a discípulo, nos três graus menores da (aparentemente extinta) Ordem Templária de Portugal.”


colocado por Isa


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sexta-feira, outubro 10, 2003

A CRIANÇA EM RUÍNAS

Na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu, depois, a minha irmã mais velha
casou-se, depois, a minha irmã mais nova
casou-se, depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva, cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho, mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.


José Luís Peixoto A Criança em Ruínas


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TIRO NO PÉ - II

Aquando da campanha das últimas legislativas, o PSD tinha um cartaz que dizia: "Mãe, porquê é que a avó tem de meter uma cunha p'ra ser operada?" Hoje é o país que se levanta em peso e pergunta: "Mãe, porque é que para se entrar em medicina é preciso meter uma cunha?" Apesar dos olhos de Lynce do fascista Martins da Cunha, perdão, da Cruz, lá nos livramos dos dois. E sem cunhas...


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ANTÓNIO, UM RAPAZ DE LISBOA

André - Domingo de Páscoa vi umas espanholas no Amoreiras... A comerem gelados... e a hablar mucho, mucho e a ler em voz alta o Fernando Pessoa... Tu leste o Fernando Pessoa?

António - Eu?

André - ... É que agora um gajo já não engata uma estrangeira sem ser à volta do poeta... Podes crer... Eu só sei aquela do "El poeta es un aldrabón", não dá... Andam todas ali no Príncipe Real e então na Brasileira, andam todas com os livros na mochila...


Jorge Silva Melo, António, um rapaz de Lisboa


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Aborto

Como comentário ao meu post sobre o aborto, o Rui questiona se não deveriamos gastar o dinheiro de um referendo em educação e planeamento familiar. Concordo que são coisas importantes. Mas se bem estás recordado, esses eram os argumentos dos Pró-Vida no 1º referendo. Notaste alguma diferença? Eu não.

Também concordo que a posição da Igreja sobre o preservativo é um atentado e condeno tal posição. O que não acho é que deva perder o meu tempo a criticá-la, fazendo-o quando calha, ao invés de lutar por uma coisa que me parece a mim, ser de muita maior utilidade para a Humanidade.

Diziam os pró-vidas que já nenhuma mulher era condenada por fazer um aborto. Anos mais tarde assistimos à condenação de mulheres no julgamento da Maia.

Eu não sou ninguém p'ra condenar uma mulher que apesar das pressões todas que sofre (conjugais, familiares, clericais e/ou outras) tome a opção de realizar um aborto. Nenhuma mulher toma a decisão de abortar de ânimo leve e nesse caso só me resta a mim desejar que o faço em condições dignas de higiente e segurança. Por isso, o aborto não pode ser considerado um método anticoncessional, mas um último recurso para o desespero de uma mulher que engravidou e nem tem condições, sejam elas quais forem, de ter um(a) filh@. Mesmo nos casos em que alguma mulher interprete o aborto como método anticoncessional, defendo a sua realização, pois uma pessoa que pense assim é certamente uma pessoa desiquilibrada emocional e psicologicamente e por isso não tem condições para ter um(a) filh@. Antes assim do que abandoná-lo num caixote de lixo.


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GOSTEI!

É verdade. Gostei de ver ontem a cerimónia da tomada de posse da nova ministra dos Negócios estrangeiros.

Explico!

No meio daquela montanha cinzenta, formal, a fazer crer que eram todos grandes figuras de "Estado" e depois constata-se que afinal a montanha pariu um rato. Destacou-se a sobriedade da nova ministra, Teresa Gouveia, e, sobretudo, a garridez e o informalismo da nova secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, Maria Manuela Franco, que de calças de ganga e blusa vermelha trouxe cor e informalidade aos cinzentões da política.

Provavelmente estarei em desacordo em muitas das decisões que venha a tomar, mas desde já quero agradecer-lhe pela lufada de ar fresco que trouxe às cerimónias protocolares. Desejo-lhe o maior êxito no desempenho das suas funções.


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ORGULHO

O meu filho anda todo contente. O seu trabalho foi elogiado.

Fiquei orgulhoso.


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CUIDADO COM O ECO... LÓGICO!



colocado por F'Santos


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CICLO FERNANDO PESSOA (1888-1935) - III



À respeito ao fenômeno da heteronímia: "teremos um poeta que seja vários poetas" E a esses "vários poetas" Fernando Pessoa deu uma biografia, caracteres físicos, traços de personalidade, formação cultural.

Os principais heterônimos de Pessoa são:

Alberto Caeiro – voltado para a natureza, procura se livrar dos vícios adquiridos na vida civilizada. Caeiro é um poeta inocente que deseja ter a alma simples de um pastor, integrado à vida natural. Autor de poesias como os ciclos O guardador de rebanhos e Poemas inconjuntos.

Ricardo Reis – é um poeta intelectual. Compõe odes bucólicas e elegíacas. Sua poesia é recheada de figuras mitológicas e de citações a um modo de vida típico do passado. Poeta sereno, austero, busca fugir à miséria da vida.

Álvaro de Campos – engenheiro de profissão, é o heterônimo mais moderno de Pessoa. O poeta expressa-se raivosamente, em longos poemas. Poeta do desespero, faz de sua angústia a razão de viver. É influenciado por Whitman, celebra a cidade moderna e técnica (Ode triunfal, Ode marítima, Tabacaria).

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O GUARDADOR DE REBANHOS (IX)

Sou um guardador de rebanhos
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto.
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.


Alberto Caeiro

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ODES

Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.


Ricardo Reis, 1-7-1916

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TABACARIA

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.


Álvaro de Campos, 15-1-1928

colocado por Isa


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REMODELAÇÃO À VISTA

Estou a ouvir o Sr. Primeiro Ministro a discursar na Asembleia da República. Está a ler um papel pausadamente e em tom de voz normal.

Será que os recentes acontecimentos o levaram a fazer uma remodelação... no tom de voz?

Não acredito! Ainda é muito cedo e se elevar os olhos do papel para colocar o tom de voz no número de decibéis a que nos habituou ainda corre o risco de perder o fio à meada.

Vou mas é colocar um video do Tom & Jerry para a minha filha não ter insónias esta noite.


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quinta-feira, outubro 09, 2003

TIRO NO PÉ - I

Os políticos são engraçados. Basta porem-lhes um microfone à frente que logo desatam a abrir a boca tal como qualquer picareta falante.

O ex-ministro Martins da Cruz revelou hoje que o primeiro ministro só aceitou a sua demissão à segunda, que inclusivamente o seu primeiro pedido de demissão já tinha acontecido na passada quinta-feira, dia 2 do corrente, portanto ainda antes da demissão do ex-ministro Pedro Lynce. Excelente. Sacode a água do capote e lança para cima de Durão Barroso a inabilidade para gerir esta triste situação, porque ele, atento, já tinha percebido que estava a fragilizar o governo.

Já toda a gente tinha percebido que, mais uma vez, Durão Barroso mostrou falta de liderança, mas além da falta de liderança também mostrou falta de visão. Quem o diz é Martins da Cruz ao revelar que já tinha pedido, atempadamente, um pedido de demissão que não foi aceite.

Senhor primeiro-ministro, para mostrar liderança não basta falar muito alto, vulgo berrar, não é por falar alto que os outros se calarão. Só fará com que quem o critica fale ainda mais alto. Credo! Em breve teremos um país de surdos.


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PAULO PEDROSO

Estranho tanto alarido com a recente libertação (da prisão preventiva entenda-se) de Paulo Pedroso.

Pouco foi alterado o sr. deputado continua arguido no caso "Pedofilia" e portanto, agora como antes, continua presumível inocente. Só o julgamento dirá se Paulo Pedroso é de facto inocente ou culpado.

Dispensava-se o show dos média, e do próprio arguido, pois corre-se o risco de alguém estar a dar um tiro no pé. Há que manter a serenidade e o bom senso, esperar pelo levantamento do segredo de justiça e, sobretudo pelo julgamento.

Até aqui tudo tem decorrido dentro da normalidade, os juízes estão a actuar dentro das suas competências e decidiram de acordo com o direito que qualquer arguido tem de ver analisado por um tribunal superior uma decisão tomada por um tribunal de 1.ª instância, decisão essa que pode ser, ou não, concordante a da 1.ª instância. É também desta forma que se vê a independência dos juizes e se corrigem, se for caso disso, decisões tomadas de forma errada. A nós cidadãos compete-nos ser exigentes quanto à celeridade dos processos e ao cumprimento da justiça.

Pois que justiça seja feita: que os culpados sejam condenados e os inocentes inocentados, mas com celeridade.

Pede-se que no fim deste, como de outros processos, se colham ensinamentos e que se mude o que há a mudar para bem da justiça para todos.

Que este fait divers não sirva para tirar a atenção deste, como de outros processos mediáticos: o caso Moderna, o caso Fátima Felgueiras , o caso Isaltino Morais e outros.


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CICLO FERNANDO PESSOA (1888-1935) - II

Trechos de Vida e Obra de Fernando Pessoa



“O isolamento e a solidão do poeta parecem ter marcado a maior parte da sua vida. O primeiro, aos seis anos, a que chamou Chevalier de Pas; os mais conhecidos, entre 1912 e 1914, a que chamou Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Álvaro de Campos. A heteronímia é uma das facetas mais curiosas deste poeta e, para muitos, o resultado da desmultiplicação de um pensamento e de uma poética complexa e genial.

A produção literária destes três heterónimos foi intensa e acompanhou o poeta até bem próximo da data da sua morte. Para além destes heterónimos, Fernando Pessoa escreveu textos em nome de inúmeros semi-heterónimos e usando ainda diversos pseudónimos. Respondendo, desta forma, à ânsia de pluralismo, comum, aliás, aos artistas modernistas, o poeta encontra, através do desdobramento do seu EU, uma forma de percepcionar e expressar a multiplicidade do universo em diferentes perspectivas cada qual mediante as diferentes individualidades por ele criadas.

Para além da poesia heterónima e ortónima, Fernando Pessoa, nomeadamente entre 1925 e 1934, vai percorendo, com uma entrega significativa, os campos do mistério e do ocultismo, bem como o da sua missão patriótica. Nem um nem outro são, no entanto, novos para o poeta, já que desde cedo experimentara e manifestara um interesse pelas regiões do ocultismo e do esoterismo e sentira que tinha uma missão elevada a desempenhar.

A atração pelo mistério, encaminha-o para campos ocultistas e iniciáticos, na busca de uma verdade e de um conhecimento espiritual, na busca da compreensão de si próprio e de um universo que transcende em muito o campo do imediatamente visível.

Estes campos são percorridos através da assimilação de princípios e orientações templárias e rosa-crucianas, por exemplo, e manifestam-se em muitos dos seus textos, como em Eros e Psique que se inicia com a epígrafe, chave orientadora da leitura do poema:"... e assim vedes, meu Irmão, que as verdades, que vos foram dadas no Grau de Neófito, e aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade." - do ritual do Grau Mestre do Átrio na Ordem Templária de Portugal, mas também em textos como Passos na Cruz, No túmulo de Christian Rosencreutz e ainda na Mensagem.

Trata-se de textos de profundo simbolismo e mistério, próprios da linguagem iniciática que Fernando Pessoa parece ter experimentado, de imagens cujas chaves de descodificação deveriam passar, segundo o poeta, por uma simpatia em relação a esses símbolos e imagens, pela intuição, inteligência, a compreensão, mas ainda por um relação, pouco definida, com alguém superior ou transcendental que lançará a luz para a completa assimilação dos seus escritos.

Dotado de uma profunda sensibilidade, desde cedo experimenta experiências supra-naturais e procurara nos meandros do ocultismo a outra face do desconhecido. Vários dos seus textos transparecem, com a clareza que o assunto permite, um conhecimento e uma aproximação aos mistérios mais antigos, a uma mitogenia diversa e arcaica, a uma espiritualidade que nem sempre coincide com a religião cristã, aproximando-se claramente do paganismo.

A realidade oculta terá sido para o poeta uma forte presença ao longo de toda a sua vida. As vias do espiritual e do divino foram, simultaneamente, percorridas e acrescentadas à complexidade psíquica e poética de Fernando Pessoa.”


Fernando Pessoa trocou a perspectiva de um amor e de uma família por um outro chamamento, seja ele o da missão a desempenhar e o compromisso com tais mestres mistereriosos, seja o do compromisso com a sua própria identidade e com a humanidade. Abandonado a si mesmo, à sua vida intelectual e mística, ao seu isolamento, que, aliás, marcou toda a sua existência, é sozinho que Fernando Pessoa, já profundamente desgastado pela angústia que o mina, pela constante busca de si próprio, morre no dia 30 de Novembro de 1935, com 47 anos de idade. Uma morte que chega cedo - mais cedo chegara a muitos daqueles com quem convivera -, mas uma morte para a qual o poeta parece ter caminhado conscientemente e sobre a qual refletiu em muitos dos seus textos.

Fonte: Pessoa Revisitado

colocado por Isa


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quarta-feira, outubro 08, 2003

JORGE SAMPAIO



colocado por F'Santos


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CICLO FERNANDO PESSOA (1888-1935) - I



Fernando Antônio Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa em 1888. Passou a maior parte da infância e da adolescência na África do Sul. Em 1905 regressou a Lisboa para cursar letras, mas acabou trabalhando em escritórios comerciais. As primeiras poesias que produziu foram em inglês, assinadas por um tal "Alexander Search, escritor decadente". Só começou a escrever em português em 1912, colaborando para revistas modernistas - como "Orpheu", que ele próprio ajudaria a fundar, com o também poeta Mário Sá-Carneiro, em 1915.

"Tabacaria" é assinado por Álvaro de Campos, um dos três mais famosos heterônimos do poeta - os outros são Alberto Caeiro e Ricardo Reis. Escrito em 1928, o poema só foi publicado em 1933. Seus quatro primeiros versos são ainda mais célebres do que os outros 164:

«Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
[...]»


O único livro de Pessoa editado em vida, "Mensagem", é de 1934.

Fonte: Jornal O Globo (Rio de Janeiro)

colocado por Isa


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CICLO MANUEL BANDEIRA (1886-1968) - II



Manuel Bandeira nasce no Recife, Pernanbuco em 1886 e morre em 1968.

É considerado o expoente do modernismo brasileiro. Deixou uma vasta obra que abarcou vários estilos: ensaios, crónicas, memórias, mas sobretudo poesia.

Em finais de 1904 contrai tuberculose, que o levará a fixar-se no Rio de Janeiro, em 1910 parte para França onde priva com Paul Éluard. Regressa ao Rio de Janeiro com o início da I Guerra Mundial e morre no Brasil em 1968, deixando uma obra singular.

Afirma Henrique Galvão, no prefácio da 1.ª edição portuguesa de "Obra Poética" (Junho de 1956 - Editorial Minerva, Lisboa): «[...] Manuel Bandeira que, embora brasileiro de alma e condição, se me afigura, no mundo das letras, acima de tudo que lhe atribuem e se atribui, o mais alto valor contemporâneo de uma poética luso-brasileira (muito portuguesa nas raí­zes, muito brasileira nos ramos), é classificado, nos sectores mais gritantes dos seus crí­ticos e admiradores e, possivelmente, pela garganta dos seus antagonistas também, como o "S. João Baptista do modernismo brasileiro". [...]».

Sofrendo do mesmo mal (a tuberculose) que o poeta português e portuense António Nobre (1867-1900), dedicou-lhe um soneto no seu livro "A Cinza das Horas".

É esse poema que aqui transcrevemos:


A António Nobre

«Tu que pensaste tanto e em cujo canto
Há a ingenuidade santa do menino;
Que amaste os choupos, o dobrar do sino,
E cujo pranto faz correr o pranto:

Com que magoado olhar, magoado espanto
Revejo em teu destino o meu destino!
Essa dor de tossir bebendo o ar fino,
A esmorecer e desejando tanto...

Mas tu dormiste em paz como as crianças.
Sorriu a Glória às tuas esperanças
E beijou-te na boca... O lindo som!

Quem me dará o beijo que cobiço?
Foste conde aos vinte anos... Eu, nem isso...
Eu, não terei a glória... nem fui bom.»



Petrópolis, 3 de Fevereiro de 1916


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terça-feira, outubro 07, 2003

MODERNICES



colocado por F'Santos


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segunda-feira, outubro 06, 2003

CICLO MANUEL BANDEIRA (1886-1968) - I



Poema do Beco


«Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
– O que eu vejo é um beco.»



(1933)


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PENSAMENTO DO DIA!

Passemos das palavras aos actos.


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ATAQUE DE ISRAEL À SÍRIA

Uma só pergunta. Será que aqueles que defenderam tão acerrimamente a reformulação da ONU e particularmente do Conselho de Segurança quando da invasão do Iraque pelos EUA, continuam a defender a extinção do direito de veto dos membros permanentes do referido Conselho?

Eu defendi e defendo a extinção do direito de veto e a adequação da ONU a um mundo diferente do que resultou da sua fundação, aliás acho que hoje a ONU tem um papel a desempenhar ainda mais importante do que quando da sua fundação, pois já não há que funcionar na lógica dos vencedores da II Guerra Mundial, mas na lógica de um Mundo Novo de parceiros e não de inimigos. A lógica antiga só aumenta as desconfianças e os ódios.

Gostaria, pois, de ouvir as opiniões dos outros.


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CONSTITUIÇÃO EUROPEIA OU TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA?

A dúvida parece-me pertinente, pois uma Constituição não pode ser aprovada de ânimo leve (claro que um tratado também não), mas uma Constituição Europeia mexe com as próprias Constituições Nacionais o que, a médio prazo, pode trazer problemas de primazia da lei fundamental de um país.

No entanto, seja formalmente Constituição ou Tratado, urge que os Europeus, uma vaz por todas, sejam capazes de exercer a sua cidadania, em particular os Portugueses que nunca foram chamados a pronunciar-se sobre a sua adesão à União.

Se este documento, do meu ponto de vista, deva ser minucioso no que diz respeito aos órgão de gestão da União, deve ser amplo relativamente aos princípios éticos, de forma a garantir o espaço europeu como um espaço de liberdade e de tolerância. Em relação a este último aspecto lembro que o espaço europeu raramente foi palco desta liberdade e tolerância, com excepção de algumas elites culturais, e por isso o passado de construção da europa só pode funcionar como referência, sem anacronismos, e nunca como guia de um futuro que se quer mais livre e tolerante.

Sou favorável ao referendo, mas não só. Em primeiro lugar é necessário saber exactamente o que pretende do ponto de vista jurídico e formal com este documento e, em segundo lugar, definir métodos de aprovação do mesmo igualitários para todos os países da União.

Um documento deste teor não pode estar sujeito a aprovação, ou desaprovação, conjuntural, pelo que esclarecidas as dúvidas formuladas anteriormente sou favorável a que o documento seja posto à discussão de todos os cidadãos europeus e que só possa ser aprovado depois do voto favorável quer dos Parlamentos Nacionais, quer de Referendo a realizar nos diversos países que compõem a União. No meu entender para que os Parlamentos Nacionais pudessem aprovar a lei comunitária seria necessária uma maioria de dois terços e o referendo para ter validade deveria ser participado por, pelo menos, dois terços dos cidadãos eleitores de cada país membro.

Em síntese, e neste espaço, esta é a minha opinião sobre a aprovação, ou não, de uma futura Constituição Europeia, que é urgente nos aspectos formais e funcionais da governabilidade, mas que necessita de uma maior discussão, e sobretudo interiorização dos cidadãos em geral e da "classe" política em geral.

Uma Constituição Europeia tem de ser um documento onde não haja vencedores ou vencidos, mas em que todos sejamos vencedores, para isso é necessário que que funcione como um elo de União dos Europeus e do Mundo e não de desunião.


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domingo, outubro 05, 2003

PETIÇÃO PRÓ-DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO LANÇADA ONTEM
Sábado, 04 de Outubro de 2003

"Concorda que seja descriminalizado o aborto realizado nas primeiras dez semanas de gravidez, com consentimento da mulher, em estabelecimento legal de saúde?" Esta é a pergunta que está incluída na petição, para que seja feito um novo referendo à descriminalização do aborto, que ontem foi lançada para a recolha de assinaturas e que posteriormente será entregue no Parlamento.

A petição é promovida por personalidades como o sexólogo Júlio Machado Vaz, a deputada socialista e ex-ministra Elisa Ferreira, o dirigente da intersindical CGTP, Ulisses Garrido, e o presidente da AMI (Assistência Médica Internacional), Fernando Nobre.

O conteúdo da petição, ou seja, os contornos exactos da pergunta a propor à Assembleia para que seja adoptada em referendo nacional foram negociados durante cerca de um ano e recebem o apoio de partidos políticos, organizações civis e de grupos de cidadãos que são favoráveis à descriminalização. De acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO foi tido em conta o facto de a pergunta a incluir no referendo não poder oferecer dúvidas de constitucionalidade, já que se for chumbada pelo Tribunal Constitucional invalida a iniciativa de petição popular.

Na elaboração da pergunta as palavras que mais tempo levaram a receber o consenso de todos os apoiantes foram "aborto", "descriminalização" e o limite de dez e não doze semanas de gravidez.

O referendo por iniciativa de um grupo de cidadãos está prevista na Constituição, sendo regulamentado por lei própria. São necessárias 70 mil assinaturas para a realização do referendo.

Para contribuíres dirige-te às sedes do Bloco de Esquerda. Apenas precisas de preencher o teu nome completo e assinares conforme o bilhete de identidade.
No Porto podes passar por:

Rua da Torrinha, 151

Contamos contigo!


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sábado, outubro 04, 2003

PENSAMENTO DO DIA!

O Insulto e a insinuação são as armas dos cobardes.


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sexta-feira, outubro 03, 2003

PENSAMENTO DO DIA!

"Quando, se não agora? Quem, se não eu?"

Bertrand Russel


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ACUSO O MINISTRO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS, MARTINS DA CRUZ DE NEPOTISMO E, EM CONJUNTO, DIRECTA OU INDIRECTAMENTE, COM O MINISTRO DA CIÊNCIA E ENSINO SUPERIOR PEDRO LYNCE, DE ABUSO DO PODER!

Se as notícias que começaram a correr ontem são verdadeiras de facto a acusação que serve de título a este post é mais do que justificada.

É incompreensível que um qualquer ministro de um Governo que exige tantos sacrifícios aos cidadão seja capaz de procurar facilidades para sua família, neste caso a filha.

É incompreensível que um qualquer ministro peça uma excepção para si a uma situação que é excepcional.

É ainda mais incompreensível, porque a principal vítima é, sem sombra de dúvida, a sua própria filha, que de certeza dispensava este atentado à sua própria dignidade.

É incompreensível que o caso que levou à demissão do anterior ministro das cidades e ex-autarca de Oeiras, Isaltino Morais, continue sem esclarecimento. Afinal a quem pertence o dinheiro depositado nos bancos Suiços a si ou ao seu pobre sobrinho?

Meus senhores a ditadura em Portugal acabou em 25 de Abril de 1974! Por isso o que se faz sabe-se.

Como não tenho que ser politicamente correcto esta atitude para além de política e eticamente condenável é estúpida. Estúpida porque, segundo parece, a filho do ministro nem sequer precisava de favores porque aparentemente tinha média necessária para entrar no ensino superior e portanto acabou por arranjar uma situação de favorecimento para a filha. Porquê? Além de vitimizar a filha, o senhor ministro na companhia do ministro do ensino superior, ainda colocou o seu Governo numa situação desconfortável por motivos pessoais e fúteis.

Como é possível obrigar os cidadãos a respeitar a lei quando o exemplo de alguns dos membros do Governo (o que o compromete se não reagir) é desrespeitador da própria lei.

Urge um rápido esclarecimento por parte dos visados e, Senhores Ministros, assumam as suas próprias responsabilidades. As figuras públicas e em particular os políticos não podem deixar de ser julgados politicamente pelos seus concidadãos.


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quinta-feira, outubro 02, 2003

PENSAMENTO DO DIA!

"Embora ninguém possa voltar atrás, e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim."

Chico Xavier

colocado por Isa


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